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Acervo - Blog Luiz Flávio Gomes

Brumadinho, Mariana: retratos da nossa “monstruosidade social”

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Até aqui, 26 hospitalizados, 300 desaparecidos e 9 mortos! Em novembro de 2018, 45 barragens corriam sério e iminente risco de rompimento (diz relatório da ANA – Agência Nacional de Águas). Novas tragédias, como a de Mariana, eram anunciadas (3% das 24 mil barragens apresentavam algum tipo de risco; 40% não estão sequer regularizadas). Brumadinho não entrou na lista porque a Vale garantiu, com base em auditorias, que tudo estava bem.

Se a Justiça e o Estado brasileiros atuassem com rigor, promovendo o império da lei, sobraria responsabilidade rápida para todo mundo, incluindo evidentemente a penal (homicídios por omissão). A impunidade de Mariana estimula a reincidência. Lá ocorreu o maior desastre ambiental da nossa história. Brumadinho tende a ser o maior “genocídio”, se todos os cadáveres forem encontrados.

Descaso das empresas e desleixo do poder público (poucas vistorias – só 17% das barragens anualmente são fiscalizadas-, falta de estrutura, de funcionários etc.). Os países civilizados conciliam a preservação ambiental (planeta sustentável) com desenvolvimento econômico. Precisamos das duas coisas para se respeitar a vida humana.

Fomos governados, até aqui, por sonhadores, tecnocratas ou ideólogos (Calligaris, Folha 24/1/19). Estes, com a Bíblia ou Marx na mão, a partir de suas paranoias, acham que podem transformar o mundo de acordo com suas ideias, sem contato com a realidade. Já levaram muitos países à guerra ou à falência.

Nossa governança (tanto pública como privada) precisa de um choque empírico (dados da realidade) e racional (ciência mais ponderação). De gente que pensa a realidade concreta complexa de maneira equilibrada. Nós criamos um país (leia-se: um Estado e um Mercado) monstruoso e patrimonialista, cujas elites do poder dominam tudo e todos. Essas elites perversas (oligarquias administrativas, políticas, empresariais e financeiras), por meio dos seus pactos oligárquicos e do “cordialismo” (usar a coisa pública como se fosse particular), mandam e desmandam secularmente na nação, buscando a satisfação exclusiva dos seus interesses privados, prejudicando, roubando e pilhando todas as demais classes sociais (os proprietários, a classe média, os trabalhadores precarizados e os excluídos-abandonados).  São castas bandidas contra o restante da população.

O Estado revela total desleixo no cumprimento das suas tarefas essenciais (educação, saúde, segurança, Justiça e fiscalização decente que garanta a prosperidade de todos). Ele sabe criar e vomitar normas em abundância, para nunca as fiscalizar eficazmente e incorruptamente.

A permanência secular dessa degenerada estrutura de poder (Estado e Mercado patrimonialistas, que saqueiam impiedosamente a população), sempre coberta “pela túnica rígida do passado inexaurível, pesado, sufocante” (R. Faoro, Os donos do poder), está se colapsando. A cada dia uma nova megadesgraça ou uma nova falência.

Repete-se aqui o processo de desertificação da Ilha de Páscoa (das grandes estátuas de pedra – moais), com seus reiterados desastres ambientais. Até que um dia chegou o colapso final! Quase todos os seus habitantes morreram (sobretudo de fome).

O grave problema é que no nosso território e cultura é praticamente impossível fazer prevalecer, nas relações entre o Estado e o Mercado, “qualquer forma de ordenação impessoal e mecânica” ou mesmo o império da lei sobre as relações familiares, íntimas, pessoais, ou seja, cordiais (Sérgio Buarque, Raízes do Brasil). Até nosso capitalismo (tupiniquim) é de laços, amizades, conchavos e negociatas entre as castas dirigentes.

Cordialismo (corrosão do caráter público do Estado), patrimonialismo (estatismo desmedido e saqueamento da riqueza nacional pelas elites do poder), patriarcalismo, impunidade, dentre outros, são os nossos “demônios pérfidos” do poder e do atraso.

Faoro e Sérgio Buarque viram na tradição histórica luso-brasileira “um círculo civilizacional interrompido, precocemente envelhecido antes de se desenvolver, retrógado antes de qualquer decadência, nessa viagem que curta-circuita os polos do patrimonialismo privado e do estamento público-burocrático-estatal, viagem redonda porque quadrada, vale dizer, emparedada (…) essa “social enormity” (Toynbee), que Faoro preferiu traduzir por “monstruosidade social”, encobre a autoreprodução de velhos mecanismos de dominação e instituições anacrônicas” (ver  Francisco Foot Hardman, Estadão 24/1/09).

Sem um choque empírico e racional profundo na nossa governança (pública e privada) o colapso total é o único futuro que está garantido. O Brasil não pode ser o país do futuro (como dizia Zweig, na década de 40 do século 20) colapsado.

Comentários

  1. Antonia Esteves disse:

    Professor. O descaso com a população e o meio ambiente não deveria existir. Infelizmente quem deveria fiscalizar são os primeiros a cometerem erros irreparáveis como nos casos de Mariana e Brumadinho. Essas vidas que se foram jamais iram voltar.A dor dos familiares não há dinheiro que pague!

  2. Luciano Araújo disse:

    Meus parabéns DR LuizFlavio. Te admiro muito vamos lutar para passar o BRASIL à limpocombatendo à corrupção luciano de Salvador

  3. Prof. Luiz Flávio, sou seu aluno, seu admirador e meu referencial, além, é claro, de meu orientador(pelos artigos q o senhor escreve). Leio todos, aprendo bem através da sua missão. Muito obrigado. Abraços: VALMON LOPES, circunstacialmente em Belém do Pará. 91-991556217 valmon.lopes@gmail.com 26/01/19.

  4. É triste saber que as vitimas de Mariana,ainda estão sofrendo,e agora mais vitimas ao desamparo.

  5. Tales Cardoso Lustosa disse:

    Gosto dos seus artigos pela clareza, racionalidade e honestidade. Já o admirava qd da TV cultura. Como deputado a sua influência ainda é maior. Vamos em frente.

  6. Gustavo Vilas Boas disse:

    Parabéns pelo excelente artigo, professor! Avante!

  7. Silvio disse:

    Cadeia no Presidente, diretores, e proprietários da Vale. Reestatização imediata desta empresa!!!!!

  8. Ronaldo Batista de Sousa disse:

    Como militante do movimento quero um Brasil Ético, concordo plenamente com o Dr Luiz Flávio Gomes, a elite estatal vem a cada dia mais deixando de cumprir com suas responsabilidades, justificando o seu domínio ou seu mando com tantas fórmulas políticas, mas ainda existem políticos éticos na sociedade brasileira.
    AVANTE AVANTE

  9. Ronaldo Batista disse:

    Como militante do movimento quero um Brasil Ético, concordo plenamente com o Dr Luiz Flávio Gomes, a elite estatal vem a cada dia mais deixando de cumprir com suas responsabilidades, justificando o seu domínio ou seu mando com tantas fórmulas políticas, mas ainda existem políticos éticos na sociedade brasileira.
    AVANTE AVANTE

  10. WILFRIED SCHWARZ disse:

    Reiterados desastres motivam a criação das regras de comportamento social em especial sobre aquelas atividades que oferecem risco as pessoas e aos ambiente, mas os políticos de todos os níveis de governo tratam de minimizar seus efeitos práticos, a exemplo do Estado do PR, quase três décadas sem concurso publico no Instituto Ambiental, e assim também ocorre em tantos outros órgãos. Reduzindo progressivamente a capacidade de atendimento a real necessidade de fiscalização das suas atividades.
    Deste modo tem muita razão o nobre Professor ao relacionar o fato e fatos ocorridos como atos reflexos e de responsabilidade da má atuação do Estado e dos governos em todos as instâncias, concorrendo com as insaciáveis atividades econômicas.

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