
Imagem – Reprodução: (Nacho Doce/Reuters)
No final de 2018 alguns parlamentares em Brasília tentaram convencer Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, a votar vários projetos que alterariam os termos da delação premiada, do crime de caixa dois assim como a prescrição na improbidade administrativa.
O propósito não era o de aprimorar tais leis, sim, era favorecer ou garantir a impunidade nos crimes e desvios praticados pelas máfias do patrimonialismo, tais como corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação, falsidades, improbidade no exercício da função e por aí vai.
É evidente que o processo de ruptura da velha ordem não caminhará sem resistências. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, quando fala da indispensável revolução vertical “que destrua para sempre os velhos e incapazes” [leia-se, a velha ordem], alertava:
“Contra sua cabal realização é provável que se erga, e cada vez mais obstinada, a resistência dos adeptos de um passado [colonial] que a distância já vai tingindo de cores idílicas. Essa resistência poderá, segundo o grau de intensidade, manifestar-se em certas expansões de fundo sentimental e místico limitadas ao campo literário, ou pouco mais. Não é impossível, porém, que se traduza diretamente em formas de expressão social capazes de restringir ou comprometer as esperanças de qualquer transformação profunda”.
São mais do que previsíveis tais resistências. Afinal, a Lava Jato já recuperou muito dinheiro (mais de R$ 11 bilhões), mandou para a cadeia vários barões do crime (mais de 3 mil anos de prisão), mudou a vida de muitas empresas e ainda gerou uma significativa renovação no quadro político brasileiro nas eleições de 2018.
Outro efeito decorrente do modelo operacional da Lava Jato (que estimula a delação premiada) foi sua interiorização (ou capilarização) em todo país. O total de prisões em casos envolvendo organizações criminosas atingiu seu ápice em 2018, com uma média de 410 casos por mês. Em relação aos 233 registros de 2014, ano em que a Lava Jato começou a investigar desvios na Petrobras, a alta é de quase 76% (Estadão 6/1/19).
Ao todo, 2.115 prisões foram decretadas entre 2014 e 2018 com base em investigações da PF sobre organizações criminosas envolvidas no desvio de verbas públicas no País. Isso decorre de um aprimoramento institucional e legislativo (Estadão 6/1/19). Agora é hora de as Polícias Civis dos Estados se aprimorarem também no combate às máfias do patrimonialismo (máfias da corrupção, da lavagem etc.).
Não fosse a tibieza e a falta de estrutura do STF que, de qualquer modo, definiu a prisão após 2º grau (embora usurpando função do legislativo) e restringiu o foro privilegiado, todos esses números iriam para casas superlativas, como foram os pedidos de cooperação internacional, para mais de 40 países.
As máfias do patrimonialismo (máfias da corrupção, dos carteis, do capitalismo de laços etc.) nunca tiveram suas entranhas tão expostas. Agora só falta “pegar todos”, a lei tem que valer contra todos (“erga omnes”). Esse é o grande desafio. Como parlamentar, quero contribuir para isso: 1 parlamentar a + anti-máfias.
Por que não podemos deixar parar operações da Justiça iguais ou semelhantes ao Mensalão e à Lava Jato?
O Mensalão (2012-2013) e a Lava Jato (de 2014 para cá) representam a mais contundente ruptura com a “velha ordem” (colonial, patriarcal, patrimonial, escravagista e extrativista), que sempre garantiu o enriquecimento dos setores bandidos das elites do poder com total impunidade.
Foram eles que romperam, pela primeira vez na nossa história, a intocabilidade (a impunidade) dos figurões ou barões dos crimes, leia-se, das máfias da usurpação do dinheiro ou do poder público, que jamais imaginaram que um dia tivessem que prestar contas à Justiça das suas falcatruas e malandragens.
Mensalão e Lava Jato saíram da “caixinha” da Justiça tradicional. Mas não agiram sempre dentro da lei. Algumas falhas graves devem ser corrigidas nos graus recursais ou revisionais. E não podem ser repetidas. Só assim tais operações se legitimarão definitivamente como disrupção, como ruptura.
O mundo inteiro, por isso mesmo, elogia a Lava Jato e alguns países desencadearam operação semelhante com o mesmo nome (Argentina, Peru). O Brasil não exportou apenas a corrupção (via Odebrecht, por exemplo). Está mostrando para o mundo também um novo método de combate aos crimes dos poderosos.
Mas é preciso sublinhar que ela tem o dever jurídico e moral de pegar todos (de esquerda, de centro ou de direita, pouco importa). Por quê? Porque o vírus do patrimonialismo (usar a coisa pública como se fosse particular) é “democrático”, ou seja, esse vício de caráter deplorável atinge todas as ideologias. Basta ver as manchetes de hoje. Ora, se o vício atinge todos, a Justiça tem que pegar todos.
Vamos cumprir nossa bandeira: Lei e Ordem acima de todos e Ética Humanista acima de tudo.
Um experimento feito com macacos na década de 50 do século 20 mostra que Mensalão e Lava Jato subiram a escada e comeram a banana. Vamos entender isso:
Juan Carlos Monedero (Curso urgente de política para gente decente) recorda o “experimento dos macacos” atribuído ao controvertido psicólogo norte-americano Harry Harlow, que estudou dentre outras coisas a formação do comportamento coletivo (sobretudo nos anos 50 do século 20).
Eis a experiência: cinco macacos foram colocados numa jaula onde havia uma escada que dava acesso a um cacho de bananas maduras, apetitosas e tentadoras. Um dos macacos prontamente quis subir a escada e então veio uma ducha de água gelada contra todos eles. Eles foram aprendendo que todas as vezes que um deles tentava subir a escada o processo se repetia e a ducha castigava todos.
Depois de muitas repetições do processo, cada vez que um macaco tentava subir a escada os demais o agrediam e impediam a operação. Todos os que tentaram subir foram surrados. A escada estava interditada naquele grupo. Havia um interdito proibitório, um castigo divino. Ninguém podia ter o prêmio das bananas.
Um macaco que ainda não tinha participado do processo foi colocado na jaula no lugar de outro. Ele desconhecia as regras do grupo. Prontamente quis subir a escada e foi massacrado pelos demais. A cada troca de um macaco o processo se repetia.
Depois de algum tempo todos os cinco macacos “novos” na jaula se comportavam da mesma maneira, agredindo o novato, sem terem passado pela experiência da ducha de água gelada. Quem tenta subir apanha. “Aqui funciona assim”.
Nenhum deles sabia porque se comportava daquela maneira, mas todos faziam a mesma coisa. Impediam qualquer tipo de regra nova. Praticamos incontáveis comportamentos no dia-a-dia sem saber a razão. Em geral procuramos não contrariar as regras do grupo. Cada um atua dentro da sua “caixinha”. Quem pula fora da “caixinha” é motivo de zombaria, agressão, ataques, ameaças ou violência. Mensalão e Lava Jato saíram da “caixinha”.