O capitalismo é o único sistema econômico que se demonstrou capaz de gerar prosperidade de massa. Seu oponente (o marxismo ou comunismo) foi um desastre absoluto (tanto para a economia como para as liberdades individuais). Mas ultimamente o capitalismo em voga está falhando feio e deve ser corrigido o mais pronto possível (ver Paul Collier, O futuro do capitalismo). Nós estamos chamando o sistema econômico hegemônico nos últimos 40 anos (que está na UTI, na iminência de uma nova recessão mundial) de capitalismo 3.0. Por quê?
De acordo com nossa opinião, primeiro veio o capitalismo 1.0, fincado no liberalismo clássico; este modelo desapareceu com a Grande Depressão de 1929 (era o laissez-faire, laissez-passer – o mercado vai por si mesmo e independe do Estado).
Depois do furacão (débâcle) de 1929 passou-se para o capitalismo 2.0 (centrado no bem-estar de todos, a partir da centralidade econômica do Estado). Durou 40 anos – de meados de 30 a meados de 70. Trata-se do sistema keynesiano (desenvolvido por John Maynard Keynes – 1883-1946), que significou forte intervenção do Estado para a revitalização da economia.
Em seguida tornou-se hegemônico o capitalismo 3.0, neoliberal, desde1980, com os governos de Ronald Reagan nos EUA (1981-1988) e Margaret Thatcher (1979-1990) no Reino Unido. O neoliberalismo, defendido com radicalidade no Brasil por Paulo Guedes, ministro da economia de Bolsonaro, caracteriza-se (i) pela desregulação da economia, (ii) liberalização do comércio e da indústria e (iii) privatização das empresas estatais. Busca-se ainda (iv) a disciplina fiscal do Estado, (v) redução do gasto público, (vi) reforma fiscal, (vii) liberalização financeira, (viii) taxas de intercâmbio competitivas, (ix) estimula ao investimento estrangeiro e (x) proteção do propriedade privada.
Ao longo dos anos o neoliberalismo foi se radicalizando. As falhas do capitalismo 3.0 são clamorosas (desigualdade crescente, desemprego massivo, serviços públicos em colapso, instabilidade, crises contínuas, austeridade que enriqueceu mais ainda os endinheirados, criação de uma nova plutocracia autossuficiente, evasão fiscal, uso intenso de paraísos fiscais, corrupção e por aí vai). Para ganhar dinheiro, tudo foi validado. Responsabilidade ética e social foi para o espaço.
Chegou a hora de reformatar o capitalismo 3.0, antes que seja muito tarde. Nossa próxima estação é o capitalismo 4.0, que evidentemente não afasta o lucro das empresas, porém, com responsabilidade ética e social (bem-estar) e respeito ao meio ambiente e às comunidades.
O atual sistema econômico injusto é dirigido por algumas oligarquias econômicas e políticas (digamos, 0,1% da população), que atua claramente em detrimento das maiorias das nações (99,9%). Nos momentos mais críticos, o capitalismo sempre soube se reinventar (ver R. Casilda Béjar, Capitalismo – Crisis y reinvención). Na década de 30, por exemplo, com o New Deal, nos EUA; depois da Segunda Guerra Mundial, com o Estado de Bem-Estar na Europa.
No plano interno o sistema econômico que rege o Brasil é o indecoroso capitalismo de laços (de amizades, de relações sociais). Trata-se de um capitalismo centrado exorbitantemente na figura do Estado. No plano internacional esse sistema em crise (agora contestado por Armínio Fraga, por exemplo) é conhecido como neoliberalismo radical. Ambos, em conjunto, no nosso país, consubstanciam o desigualitário e desesperador capitalismo 3.0, que só pensa nos lucros das empresas e dos acionistas (pois assim ensinou Milton Friedman, da Escola de Chicago).
Sendo um modelo capitalista sem responsabilidade ética e social, ele não se preocupa (i) seja com o bem-estar dos funcionários, clientes, fornecedores etc., (ii) seja com a preservação do meio ambiente (isto é, do planeta), (iii) seja com as comunidades onde estão inseridas as empresas. A riqueza e a saúde da elite empoderada estão ficando cercadas, em todo planeta, pelo fogo, pela fumaça, pela violência, pela poluição mortífera bem como pelo desmatamento criminoso.
Parece muito evidente que esse sistema econômico gerador de um desenfreado desemprego, patrocinado pela mentalidade excludente das elites dominantes, ou seja, do establishment, das oligarquias dirigentes e reinantes (menos de 0,1% do país), deve ser revisado com a maior brevidade possível.
Business Roundtable
O sinal amarelo está intermitentemente piscando. Vivemos um período de interregno (entre o velho que já morreu e o novo que ainda nasceu). As crises se multiplicam (de governança, de representação, de autoridade, política, econômica, jurídica, social, cultural). Estamos entre o que “não existe mais” (o que já não tem nenhuma legitimidade) e o que “não existe ainda” (ver Ezio Mauro, em Bauman-Mauro, Babel).
A instabilidade é nossa marca geracional e existencial. Nenhuma nova força política está pronta para herdar esse velho mundo e transformá-lo. Falta-nos pragmatismo, acima das ideologias. O novo mundo está nascendo (mundo digital), sem rumo certo, sem lideranças capazes de dar um sentido para a vida das pessoas (perdidas, estupefatas, frustradas e ressentidas).
É evidente que, neste contexto, surge como uma luz no fim do túnel a defesa de um novo modelo de capitalismo, feita em 19/8/19 pelos presidentes das 181 maiores empresas do mundo (reunidas no Business Roundtable – ver BBC News Brasil, 26/8/19). Juntas (Xerox, Walmart, Amazon, Apple, Exxon Mobil, AT&T, Ford, IBM e tantas outras) elas têm mais de 15 milhões de funcionários. Faturamento anual superior a US$ 7 trilhões. Trata-se de uma mudança radical de visão, do mundo e dos negócios. A maximização dos lucros para as empresas e a primazia dos acionistas (seguindo as lições de Milton Friedman) sempre foi a bandeira dessa organização, desde 1997. Qual a mudança que ela está propondo?
A Business Roundtable se compromete com cinco pontos específicos: (i) entregar serviços ou bens de valor aos clientes; (ii) investir nos funcionários e recompensá-los de maneira justa; (iii) negociar de forma justa e ética com os fornecedores; (iv) apoiar as comunidades em que as empresas estão inseridas; (v) gerar rentabilidade de longo prazo para os acionistas.
O que se pretende é uma visão sustentável a longo prazo, disse Jamie Dimon, CEO do banco JP Morgan Chase. O sonho americano está se desgastando. A vida vai muito além dos lucros. Milton Friedman fincou a base desse modelo capitalista (que aqui chamamos de 3.0) no “fazer o máximo de dinheiro possível” para os donos das empresas. Lucro acima de tudo e de todos. Esse sistema (neoliberal) veio como retaliação ao Estado de Bem-Estar social, keynesiano, que vigorou por 40 anos (da década de 30 a meados da década de 70).
Os lucros das empresas, sobretudo com as revoluções financeira e tecnológica, explodiram e aí surgiram duras críticas contra as novas plutocracias. Até mesmo o capitalismo entrou na pauta dos debates. Nunca se falou tanto em socialismo nos EUA como agora. Os populismos (de esquerda e de direita) transformaram-se na nova onda mundial (com receitas simplistas para todos os problemas complexos).
Tudo que se propõe é apenas uma possibilidade, mas isso traz alento, traz uma luz. É o eterno retorno da esperança. As empresas devem ir muito além dos lucros. Com isso se almeja uma melhora de imagem, desgastada pelas acusações de conivência com a violação dos direitos humanos e ao meio ambiente em todo planeta.
A Business Roundtable vem defendendo uma reforma migratória que facilite a entrada nos EUA de mão de obra qualificada. A indignação pública persistente está levando o mundo capitalista a repensar o capitalismo. Os donos do capitalismo no mundo (o establishment) estão querendo mudanças. Do jeito que está não pode ficar. O 0,1% não pode ficar com tudo, prejudicando desumanamente as maiorias das populações (99,9%). Que prospere o capitalismo 4.0, mais humano, mais inclusivo, mais equitativo.
LUIZ FLÁVIO GOMES, professor, jurista e Deputado Federal. Estou no f/luizflaviogomesoficial. WhatsApp: (11) 9 9261-8720
Professor, para o senhor ter escrito isso, imagino ter lido e estudado muito. Só que o alento que o senhor vê, baseia-se na presunção de benesse por parte dessa rodada/mesa de negócios internacionais. Acredito que a solução sempre veio de cima, seja da classe política e/ou econômica, para refrear a exploração de uns sobre os outros em momentos de crise. Eles criaram o jogo e eles é que consertam o jogo para que não se deixe de acreditar no jogo deles. Sempre a maquiagem, para que o juiz de de exploração continue. Então pergunto, por que algum sistema virtual ou computacional não possa criar um novo jogo e as pessoas aderirem – se quiserem a ele -? Um jogo virtual, mas onde as trocas sejam valoradas de acordo com os valores escolhidos mais racionalidade pela maioria que joga o jogo? Não acredito em capitalismo sustentável. Isso para mim é tão ficcional quanto um jogo virtual de cassino, onde a casa, sempre sai ganhando.