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Acervo - Blog Luiz Flávio Gomes

PRISÃO APÓS 2º GRAU E CLEPTOCRACIA (O BIG POWER QUE DOMINA O BRASIL)

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Não se pode confundir a cleptocracia com a plutocracia; a primeira significa governo e poder dos ladrões; a segunda é o poder exercido pela riqueza de alguns agentes econômicos e financeiros, que dominam a política e, muitas vezes, chegam a sequestrar o próprio Estado (total ou parcialmente). Big Power é o conceito superior comum, que compreende os dois fenômenos citados. A Grande Força, que domina a nação invisivelmente, compreende as duas forças citadas.

A mudança da jurisprudência do STF sobre a prisão após 2º grau tem tudo a ver com a cleptocracia, que é regida, dentre outros, por dois princípios básicos: (i) instrumentalização de todos os poderes e instituições da nação para satisfação dos seus interesses; (ii) impunidade máxima possível, evitando-se a devolução de qualquer vantagem ou proveito alcançado com os delitos cometidos no âmbito do poder.

Suspeita-se que o Brasil seja a maior plutocracia do mundo: “Eu fiquei surpreso [ao ter visto] um Gini de 0,99 para o Brasil [em termos de concentração da riqueza]. Mas, independentemente se é 0,99 ou 0,95, o fato é que é mais de 0,9” (ver Branko Milanovic, um dos maiores experts no mundo sobre desigualdade, ex-economista chefe do Departamento de Pesquisa do Banco Mundial e autor do livro Capitalism, Alone – “Capitalismo, sozinho” – que será lançado em 2020 no Brasil).

Sendo o Brasil a maior plutocracia do mundo, naturalmente também conta com uma das maiores cleptocracias do planeta.

A Constituição diz que os poderes da República são Executivo, Legislativo e Judiciário. Por detrás desses poderes está o Big Power, um seleto grupo das elites e oligarquias, muito poderoso, que domina o poder. O Big Power, que está acima de tudo e de todos, é o que manda em tudo (ou quase tudo).

Vários setores da sociedade criticaram duramente a decisão do STF, que tornou impossível a prisão após 2º grau (após o duplo grau jurisdição). Eu, particularmente, sempre fui favorável a disciplinar essa matéria numa PEC, dando-se o conceito de coisa julgada (que não foi mencionada, mas não definida pela Constituição). É só uma questão de definição, não se trata de eliminação de uma cláusula pétrea (que é vedada).

A mudança de jurisprudência do Supremo não surpreendeu a cleptocracia nacional, muito menos a plutocracia (que canaliza a riqueza do país em seu benefício). Tudo isso já estava “precificado” pelo Big Power, que orienta toda riqueza do país assim como as principais decisões em benefício de um pequeno e seleto grupo de mandachuvas, gerando desigualdades medonhas e injustiças brutais.

Para as elites que dominam o país a decisão do Supremo se deu dentro das expectativas. Gilmar Mendes em 2016 votou no sentido da prisão após segundo grau. Depois (2018) mudou o seu voto. Isso era mais que previsível. Dentro do Supremo ninguém representa melhor, com consciência, os interesses do Big Power.

A cleptocracia lutou para a mudança da jurisprudência do Supremo e, agora, vai combater qualquer tipo de proposta legislativa que queira mudar a matéria, dentro do Parlamento. Eu estou defendendo há tempos uma PEC, sobretudo junto ao colega Franceschini, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, e bem sabemos das dificuldades para se aprová-la.

 Interessa para a cleptocracia (que reúne a grande corrupção do país) a regra da prisão após o “trânsito em julgado final” (que significa esgotar todos os recursos nas quatro instâncias da Justiça).

Se porventura o Supremo anular parte da Lava Jato, também isso já está “precificado” (já foi computado). A prisão após 2º grau admitida pelo STF, a partir da interpretação de um texto constitucional, foi, durante certo período (2016-2019), extremamente útil para os interesses da cleptocracia e da plutocracia, porque tal prisão:

1. estimulou ou facilitou a delação premiada de muita gente (políticos, empresários, altos funcionários, doleiros, operadores financeiros etc.), o que tornou possível condenar criminalmente dezenas de pessoas, dando-se uma saneada na própria plutocracia/cleptocracia (que se renova continuamente);

2. incentivou duro ataque à corrupção na Petrobras (petrolão), que envolveu fundamentalmente o PT e alguns dos seus parceiros mais próximos (para a plutocracia não interessa a falência da Petrobras, que é excelente fonte de parasitação);

3. levou para a cadeia pessoas que a plutocracia (que o Big Power) não queria que estivessem nas disputas eleitorais de 2018;

4. incrementou as delações que eliminaram do poder assim como do clube da plutocracia o PT (em virtude da sua corrupção no mensalão, no petrolão e outros órgãos mais, deu-se  a expulsão de um sócio que se tornou indesejado);

5. possibilitou a eliminação do mercado de alguns players (empresas e pessoas físicas) que, por sua proximidade com o poder petista (“campeões nacionais”), levaram muitas vantagens competitivas (alocação de grandes contratos superfaturados, empréstimos subsidiados, sobretudo do BNDES, e por aí vai);

6. estrangulou o projeto político de poder do PT em toda América Latina e parte da África (o Brasil se tornou um grande “exportador” de corrupção para o Peru, Colômbia, Venezuela, Angola e tantos outros países);

7. facilitou as chamadas “delações seletivas”, que geraram também uma atuação seletiva da Justiça criminal (da Lava Jato), que foi fundamental para o encobrimento (a impunidade) de incontáveis envolvidos na cleptocracia brasileira assim como a impunidade de todos os bancos que lavaram a dinheirama toda movimentada segundo dados da Lava Jato.

A plutocracia e a cleptocracia nacionais atingiram todos os seus objetivos após a possibilidade de prisão após segundo grau (que se deu em 2016). Isso, agora, se tornou irrelevante e até contraproducente (para o sistema). O melhor (para o Big Power) é a preservação da nova regra firmada pelo STF, com possibilidade de recursos em quatro graus de jurisdição.

Nada de novo debaixo do sol (Nihil sub sole novum), a não ser a indignação de algumas pessoas contra o STF, sem saber que ele, com frequência, cumpre o papel de instrumento nas mãos do Big Power. Enquanto não acertarmos nosso alvo, todas nossas flechadas serão inúteis.

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e Deputado Federal por São Paulo.

Comentários

  1. Jordachy disse:

    Não acho que retirar direitos possa melhorar nossa sociedade, o grande inimigo somos nós mesmos que não fazemos garantir nosso direito.
    Enquanto as pessoas não mudarem não há julgamento em segunda, terceira ou quarta estância que de jeito. Gostaria que o senhor meu deputado, lutasse em prol da melhora na base do nosso país. Educação é o que esse país precisa.

  2. Maurício Marques disse:

    Prezado deputado.
    Gostaria de aprofundar seu entendimento sobre essa possível PEC. Conceituar coisa julgada?

    1. Nathana disse:

      A coisa julgada ocorre quando se exaure todos os recursos, dar -se o trânsito em julgado e a sentença faz coisa julgada. Ocorre que para poder se executar a sentença de segundo grau precisa haver trânsito em julgado, mas como os advogados milionários sabem manejar outros recursos nos tribunais superiores nunca acontece o trânsito em julgado, então não pode ser recolhido a prisão para cumprir sua condenação. Gerando diveras prescrições da pretensão punitiva. É com o se a justiça comum ordinária não tivesse função. Conclusão a justiça criminal é mais do que seletiva.

  3. Miguel Constance Martins disse:

    Prezado Deputado,

    O Senhor como Ex Juiz Aposentado e agora Dep. Fed. Pode, a meu ver, com toda bagagem de conhecimento dar uma grande contribuição para persuadir os demais colegas a votarem para o bem do povo brasileiro. Confesso que não tenho acompanhado vossa atuação na câmara, contudo vos vejo com uma capacidade imensa de, ser iluminado por Deus, que interceda para amenizar o sofrimento do povo pela ausência de uma justiça igual para todos!

  4. Reinaldo Monteiro disse:

    Prezado deputado
    Fico feliz em saber que não desperdicei o meu voto.
    É preciso, muita coragem para enfrentar as elites de nosso país e esta bravura vejo estampada em vossa excelência e numa grande parte dos deputados federais.
    Tenho certeza de que foi dado um grande passo no combate a corrupção, incluindo a renovação de parte do congresso nacional.
    Falta dar uma chacoalhada nas cortes judiciais superiores. É necessário rever o papel que elas desempenham, bem como, o critério de escolha e o tempo de permanência no cargo.

  5. Mauro Schwartzmann disse:

    Prezado Deputado, obrigado pela pronta resposta! Mas saindo-me está ainda na lista dos indecisos! O senhor tem conhecimento jurídico e pode convencer vários de seus pares a votar também pela condenação em segunda instância!
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  6. Mauro Schwartzmann disse:

    Prezado Deputado, obrigado pela pronta resposta! Mas saindo-me está ainda na lista dos indecisos! O senhor tem conhecimento jurídico e pode convencer vários de seus pares a votar também pela condenação em segunda instância!

  7. Wellington Aguiar disse:

    Prezado Senhor Deputado!
    Como disse no meu e-mail, não o conhecia e não tive o prazer de votar no senhor. Todavia, no futuro, gostaria de poder fazê-lo, muito em face apenas do seu artigo, que me parece estar de acordo com meus anseios e com o de milhões de brasileiros.Fiquei feliz de ter enviado um pedido e mais ainda com a resposta obtida. Espero poder acompanhar seu trabalho e espalhar suas virtudes.
    Um abraço, Wellington.

  8. Walter Tadeu disse:

    Como fazemos para acertar o alvo? Ou devemos guardar nossos arcos?!

  9. SERGIO MESSIAS DOS SANTOS disse:

    A arbitrariedade dessa proposta, apresentada por Luiz Flávio Gomes, subverte o instituto da coisa julgada e coloca em risco todo o edifício das garantias constitucionais, ao pretender subverter-lhe o sentido normativo. Há coisas mais importantes para darem foco, o Brasil virou um país das barbaridades com esta extrema direita no poder.

  10. Alex disse:

    Entre o senhor e o Lénio prefiro ele, pois ele foi claro como água cristalina em seu artigo sobre piçrisão em segunda instância e dentro do estado democrático de direito, o que o senhor infelizmente, mesmo sendo o jurista que é, não o fez em seu artigo. É uma pena.

  11. Nathana disse:

    O professor LFG está corretíssimo sobre suas ponderações. Eu já escrevi minha monografia acerca desse tema, onde reside diversas divergências. O que alguns, ou fingem que não entendem, é que o sistema criminal foi feito para punir apenas aqueles desfavorecidos de recursos para pagar excelentes advogados. A justiça comum criminal só vai até o 2 grau de jurisdição, dessa forma a matéria fático e probatória se exauri aqui, e todos os recursos cabíveis. Porém para ter acesso aos tribunais superiores o que vai ser analisado é se algum direito material com o por exemplo ampla defesa foi violado nas instâncias ordinárias, além disso deve comprovar ainda que a matéria já foi prequestionada e que tem repercussão geral se for recurso extraordinário por STF, ou seja, são recursos excepcionalíssimos e que não reformam a sentença. Conclusão quem pode pagar milhões pra interpor um recurso no STF, fica impune, sem poder executar o acórdão de 2 grau, por conta do conceito de trânsito em julgado em matéria criminal não ter sido regulamentado expressamente pela Constituição. O entendimento que o Supremo vinha adotando foi fruto de uma mutação constitucional, alteração do texto mudando o sentido condizente com os novos valores da sociedade exercício do poder constituinte reformador. Tomara que o Congresso regulamente essa matéria e ponha fim nessa divergência logo.

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