Há décadas se discute as razões da nossa modernidade atrasada. São várias as matrizes explicativas do pensamento social (incluídos aqui política e economia). Mais recentemente Jessé Souza (ver, A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato) questionou muitas dessas explicações, sobretudo aquelas ligadas ao passado ibérico, à colonização. Nossas raízes, segundo ele, estariam não na Península Ibérica, mas na escravidão. Essa instituição corrobora nossa repulsa ao trabalho manual, o boicote aos direitos, o exercício de privilégios de classe, o bacharelismo formalístico, a falta de cidadania plena de grande parcela da população, o racismo, ora ostensivo, ora velado, o ódio aos adversários e aos pobres, a subserviência ao estrangeiro (complexo de vira-lata), em suma, nosso subdesenvolvimento estrutural.
Salvo raras tentativas nacionais de impulsionar a indústria pesada, o desenvolvimento tecnológico de setores estratégicos (petróleo, gás, petroquímica, aço, engenharia pesada, aviação civil etc.), a inclusão social com garantia de direitos (CLT e seguridade social) e a modernização, nossa sina parece mesmo a de ser o “celeiro do mundo” (vendemos aquilo que extraímos da terra). Em outros termos, com o proposital nível baixo de escolarização do brasileiro, estamos fadados à periferia do sistema capitalista e isso não ocorre por acaso. É obra das elites selvagens do poder.
Abastecemos o centro a partir do latifúndio agroexportador e consumimos seus manufaturados e tecnologias. Muito pouco se produz num país dessas dimensões e riquezas, além de soja e outros grãos, proteína animal e minério em geral. No que diz respeito às modernas tecnologias, somos periféricos. Na década de 60 do século 20 a Coreia do Sul também era marginalizada de tudo. Com educação de qualidade, hoje é um dos países mais avançados do mundo. Nossas elites nunca quiseram que o Brasil fosse assim. Esse é nosso atraso.
Nosso processo histórico é uma simbiose entre latifúndio, escravidão e industrialização em curso, com predomínio das multinacionais. O rompimento colonial e a independência no século XIX, que geraram o desenvolvimento do comércio interno (aguardente e rapadura, pequenos engenhos e lavouras de fumo, diria Darcy Ribeiro) e da vida urbana nos grandes centros, possibilitou, no limite, um capitalismo dependente. Socialmente, as elites governantes, em simbiose com os velhos oligarcas, organizaram-se antes como estamento do que como classe.
A introdução do trabalho assalariado com o elemento imigrante e a consolidação da ordem econômica competitiva, nos fins do século XIX, não liberaram completamente as potencialidades da racionalidade moderna. Antes, promoveram a acomodação de formas econômicas opostas, gerando uma sociedade híbrida e uma formação social marcada pela coexistência e interconexão entre o arcaico e o moderno (ver, Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil, 1974).
Nesse sentido, desde outrora, nossa elite industrial e agrária está interessada na pilhagem e controle do Estado. A “revolução das elites” teria conduzido o Brasil, portanto, à transformação capitalista, mas não à esperada revolução nacional e democrática. Na ausência de uma ruptura enfática com o passado, este cobra seu preço a cada momento do processo, sempre em chave de conciliação pelo alto. Em suma, a monopolização do Estado pelas elites oligárquicas nos possibilitou uma democracia restrita, uma cidadania capenga e uma economia voltada, sobretudo, para o mercado externo (ver, https://blogdaboitempo.com.br/2014/03/28/a-revolucao-burguesa-no-brasil/).
Gilberto Vasconcellos diria que “a classe dominante toma conta do Estado, colocando-o a seu serviço, ditando a política econômica e financeira, enquanto a massa excedentária e analfabeta carece de organização para defender seus interesses, padecendo de afasia política, contando apenas com a ajuda familiar e de vizinhança, ou de alguma entidade caritativa” (ver em, Darcy Ribeiro, a razão iracunda, Edufsc, 2015, p. 124).
O quadro atual reflete muito essas análises: concentração de renda e do latifúndio, desindustrialização, juros estratosféricos impeditivos de investimentos, comércio decrescente, desemprego, perda de direitos trabalhistas, baixa remuneração, informalidade, encarceramento em massa inclusive de criminosos não violentos, violência desenfreada, baixo crescimento do PIB e falta de proposições além de cortes para os pobres e manutenção de privilégios para as elites. Somos um país de pouquíssimos empresários (leia-se as elites do capital) muito ricos e povo muito pobre.
No capitalismo financeiro de hoje, cerca de 1% das pessoas mais ricas detém mais de 50% do total das riquezas produzidas no planeta. O Brasil não fica para trás e baila no financismo ao som da dívida pública, já chegando a quase 80% do PIB (https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20190315.pdf). Dito de outro modo, o excedente de capital privado, acumulado com a ajuda da elite política através de empréstimos subsidiados, desonerações, renúncias fiscais, perdão de dívidas, sonegação, evasão de divisas, corrupção etc., não retorna como impostos, para a produção e geração de emprego e renda e garantia de serviços sociais, antes, é retido na bolha especulativa ou em paraísos fiscais, atendendo a demanda exclusiva de acionistas e aventureiros de plantão. A classe dominante foi e é um grupo minoritário que manda para fora do país a “riqueza saqueável” (ver em, Darcy Ribeiro, a razão iracunda, p. 123).
Reportagens recentes apontam que dentre as maiores devedoras do governo federal encontram-se nomes como Vale (reincidente em crimes ambientais e humanos), Petrobrás, Bradesco, Gerdau, Eletropaulo, Braskem, Pão de Açúcar, Volkswagen, JBS, entre outras. Há ainda empresas falidas ou em recuperação judicial como Jornal do Brasil, Transbrasil, Teka Tecelagem, TV Manchete, Varig, Vasp, Grupo Abril etc. (https://epoca.globo.com/politica/noticia/2017/06/quem-sao-os-maiores-devedores-do-governo.html).
As dívidas no geral se relacionam a empréstimos bancários, previdência social, Fundo de garantia ou à Receita Federal. Claramente esse problema não é unilateral. Ele envolve, quando não os governos diretamente, seus agentes de fiscalização. Exemplo recente envolve o grupo CVC, cujo fundador confessou à Polícia Federal ter negociado propinas para livrar a empresa de uma dívida tributária na casa dos R$ 161 milhões. Na ocasião foram rastreados R$ 39 milhões em contas de empresas fantasmas para irrigar fiscais da receita e integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais-CARF (https://oglobo.globo.com/economia/fundador-da-cvc-admite-ter-pago-propina-para-se-livrar-de-160-milhoes-em-impostos-23515032).
Muitas vezes divulgadas como exemplos de gestão, algumas empresas reclamam dos impostos que (não) pagam e que passam longe de sua contabilidade oficial. A loja de departamentos Havan, por exemplo, que cresceu exponencialmente com subsídios do BNDES durante os governos Lula, passou de poucas unidades em Santa Catarina e no Paraná para mais de 100 no último ano de governo Dilma, com sedes em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas, Rondônia e Pará.
O dono da rede, Luciano Hang, já foi condenado várias vezes por evasão de divisas, sonegação e fraude fiscal. Em uma delas foi acusado pelo Ministério Público Federal de Santa Catarina de usar contas de laranjas para remeter R$ 500 mil para o exterior sem recolher o imposto devido.
Em outra, sonegou o INSS de seus funcionários. De acordo com o Ministério Público, a Havan contava com duas folhas de pagamento: em uma, declarada oficial, constava a remuneração fictícia, em média R$ 250, para cada empregado, e na outra aparecia o que era realmente pago, cerca de R$ 600. A fraude atingiu cerca de 500 empregados, que tiveram seus direitos trabalhistas violados, uma vez que as verbas remuneratórias eram calculadas com base em valores inferiores aos realmente recebidos.
O empresário foi condenado pela Vara Federal Criminal de Blumenau (SC) e a 7ª turma do TRF-4 manteve integralmente a sentença. Após a condenação Luciano Hang firmou acordo, parcelou o débito trabalhista e suspendeu a execução da pena. Privilégio de classe? O leitor pode concluir. Em 1999, uma ação de busca e apreensão, determinada pela Procuradoria da República em Blumenau, resultou na autuação da Havan em R$ 117 milhões pela Receita Federal e em R$ 10 milhões pelo INSS. Resultado: a empresa fez um Refis para pagar as dívidas em suaves prestações, débito que, nesses moldes, segundo a Procuradoria, levariam mais de um século para ser quitado (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/dono-da-havan-cresceu-sob-governos-petistas-e-acumula-processos.shtml).
Outro caso emblemático é a da Editora Abril, dono de revistas como Veja e Exame. Em 2018, ao fechar a venda de 100% das ações do Grupo a Fábio Carvalho, a família Civita não só deixou o comando das empresas, que já foi um dos maiores conglomerados de mídia do país, como também uma dívida na casa dos R$ 1,6 bilhões com funcionários (cerca de 1500 trabalhadores), bancos e fornecedores. Pelo acordo firmado, os credores da empresa devem rever apenas um pequeno valor daquilo que lhes é devido, além dos irmãos Vitor e Giancarlo ficarem livres de qualquer ônus, condição imposta para que a família cedesse o controle da Abril, em recuperação judicial desde agosto daquele ano (https://www.valor.com.br/empresas/6034021/familia-civita-vende-abril-e-da-calote-de-r-16-bilhao).
O curioso na história é que a família Civita (Vitor, Giancarlo e Roberta) mesmo falida nos negócios já circulou nas páginas da Forbes como uma das famílias mais ricas do país, com patrimônio estimado de $ 3,3 bilhões de dólares (https://www.forbes.com/sites/andersonantunes/2014/05/13/the-15-richest-families-in-brazil/#629ef7b31a31).
Tratamos até o momento de 3 ramos diferentes da economia: turismo, varejo e comunicação. Há centenas de outros casos nos mais diferentes ramos. O Brasil entrou em recessão, a economia recuou, os consumidores sumiram, o endividamento aumentou. Tudo isso é verdade, mas também é verdade que são fortes as relações dos altos círculos do Mercado com os poderes constituídos, que lhes garantem (re)financiamentos, excelentes acordos judiciais e a certeza de que suas fortunas pessoais jamais serão violadas para amortizar prejuízos aos credores, incluindo o Estado.
Países mal administrados assim como a degradação de grandes empresas que geram muitos empregos diretos e movimentam a economia interna tem apenas um perdedor, a sociedade. Nosso “carcinoma sempre foram as empresas agroexportadoras: a velha classe latifundiária em simbiose com essas outras, ditas urbanas e modernas, de caráter consular-gerencial e que ainda acreditam que o lucrismo dos banqueiros resolve os problemas do povo”. A síntese de tudo isso, como tentamos demonstrar, é que “o normal da marginalia, desde os tempos idos, é essa agressividade em que cada um procura arrancar o seu, seja de quem for” (ver, Darcy Ribeiro, a razão iracunda, p. 123). Em suma, se todos querem se dar bem é porque o exemplo vem de cima e de longe!
O Novo Brasil com o qual sonhamos tem que passar a limpo todos os desmandos das elites selvagens do poder.
LUIZ FLÁVIO GOMES, professor, jurista e Deputado Federal Contra a Corrupção.
RAFAEL PEREIRA, professor e pesquisador, Doutor em História pela Unicamp.
Cada vez o admiro mais, nobre Professor, de longe o mais completo representante que jamais tive na Câmara dos Deputados: profundo conhecimento do complexo sistema político e socioeconômico brasileiro, profundo conhecimento técnico jurídico, habilidade para traduzir em linguagem didática essa complexidade a fim de formar cidadãos atuantes, habilidade para convergir esforços de segmentos diferentes em torno de causas republicanas, e profunda coragem para fazê-lo. Que sorte tê-lo a favor do Brasil! Muito obrigada! Que Deus sempre o proteja e o abençoe! 🙏🏻❤
EXMO Deputado, para todos estes desmandos e arbítrios cometidos por estes “Feudos ou Melecianos”, que chantageiam o Governo, alegando déficit para ter estes socorros econômicos, falando que é negociação, existe uma saída honrosa e glorificada, trazendo para toda população Brasileira, que gastam com impostos nos consumos básicos para sua subsistência, que é aproximadamente 42% da sua renda em média. E para conter estes arbítrios de determinados grupos hegemônicos, que hoje infelizmente a maioria se encontra em Brasília de forma direta ou indireta, por isso, não encontra resistência dos Parlamentares, salvo exceções.
O caminho é regulamentar Art. 7º inciso XI da CRFB, colocando os trabalhadores nas gestões das indústrias, e regulamentando a Participação nos lucros e resultados, no percentual definitivo de 50 %… As razões o EXMO deputado acabou de expor. Entretanto, exponho outro ponto de vista. Haja vista que, este modelo econômico nasceu falido, pois não dar possibilidade do País se desenvolver economicamente, visto que, como em outra postagem manifestada pelo o EXMO, o “País gasta em média 6% a mais que outros países desenvolvido, chegando a 8 %, em torno de 360 bilhões anuais em renúncias fiscais”. Logo, concluísse, que, pra que, eles vão se arriscar economicamente, se tem a UNIÃO, para pagar mais que seus próprios investimentos e rentabilidades… 🤔 Contudo, se o país tem a PLR em 50%, acaba esta demagogia de direita e esquerda, de Estado minimo e Estado máximo.
Pois, independente de haver privatizações ou ser estatais no comando do mercado, a mão de obra do trabalhador não será precarizada, e a desculpa de privatizar porque é cabide de emprego e meio para corrupção vai acabar, visto que, os trabalhadores estarão participando da Gestão das indústrias, e logo, todos serão fiscalizadores. Porém, não haverá grupos hegemônicos sendo melecianos e feudos. E isso não é comunismo muito menos socialismo, chamo de equidade, pelas razões expostas pelo o EXMO Deputado e pelo motivo da população ser a maior patrocinadora deste sistema monárquico, camuflado de democracia…
É PROFESSOR, FIQUE ATENTO, POIS HÁ MUITA “GENTE” NO CHAMADO PARLAMENTO BRASILEIRO QUE NÃO SUPORTA FAZER O CERTO E AGIR COM ÉTICA.